REDENÇÃO
A tradição cristã interpreta o
ato de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal não como o surgimento da
consciência, mas como um ato de rebeldia, um grito de independência da criatura
para com o Criador.
Ao comer da árvore do
conhecimento do bem e do mal, a criatura não pretende adquirir consciência do
bem e do mal, mas sim tomar nas mãos a prerrogativa de determinar o bem e o mal
e, nesse sentido, “ser igual a Deus”. O que está em questão é o questionamento a
respeito de quem será o padrão para o funcionamento do Universo e das relações
que nele se processam: Deus ou o homem? A resposta cristã é que a morte é a
conseqüência natural do fato de a criatura viver como se Deus não existisse.
Ao afirmar que “o homem se
tornou como um de nós”, Deus não estava concordando com a Serpente. A expressão
“ser igual a Deus” não trata de atributos e potências, mas sim de status, isto
é, não descreve o que o homem pretendia ser – poderoso tal qual a divindade,
mas sim o que o homem havia se tornado, um padrão de existência autônomo e
rebelde, em oposição à divindade.
A expulsão do paraíso não
coloca o ser humano fora de um ambiente geográfico, mas sim de uma condição
existencial. Expulso do paraíso, o homem não está longe de uma terra, mas sim
alijado de um relacionamento, o relacionamento com Deus, o Criador. Porque
pretende ocupar o lugar do Criador é que o ser humano fica impedido de ter
acesso ao paraíso. Talvez você esteja se perguntando: “Que Criador melindroso é
esse que não é capaz de conviver com adversários?
Mas a questão não é essa.
Quando dizemos que o sujeito está com frio porque está longe da fogueira, isso
não quer dizer que a fogueira é melindrosa e recusa-se a dar o seu calor.
Os paralelos ficam bem claros e
fecham o quebra-cabeças do dilema da raça humana. O Reino de Deus equivale ao
paraíso. A terra amaldiçoada equivale ao lado de fora do paraíso. Para que a
terra amaldiçoada seja transformada em paraíso, a rebeldia da raça humana deve
ser substituída pela rendição à autoridade e soberania amorosa do Criador: “Venha
o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”.
A vocação de cada ser humano
continua sendo cooperar com Deus para colocar ordem no caos. O resultado da
reconciliação entre criatura e Criador é a unidade do Universo, em que céu e
terra não estão mais em oposição, e o paraíso abraçou e redimiu toda a terra
amaldiçoada, isto é, o Reino de Deus chegou em plenitude. Assim, existirá “o
céu e tudo o mais”, em vez de “o céu e nada mais”. Por isso é que o homem deve
lutar contra sua ambição de fuga para o paraíso. Deve acreditar que este lado
do céu é digno de ser trabalhado: plantar jardins na terra maldiçoada. A
dicotomia entre céu e terra deve acabar.
Negar a terra como se houvesse apenas
céu e nada mais é trair o propósito de Deus, que delegou a terra aos cuidados
da raça humana.
O reino de Deus é o equivalente
ao jardim, de onde o homem foi expulso. O jardim é o mundo sob o comando de
Deus. Toda vez que um ambiente, uma relação, uma atividade é submetida a Deus,
o caos começa a entrar em ordem, isto é, o jardim dá seus sinais. Haverá um dia
em que o caos será transformado em jardim. Então, o Reino de Deus, que já foi
inaugurado, estará consumado.
Enquanto o Reino de Deus não
vem em plenitude, nós trabalhamos para que ele seja sinalizado ao nosso redor. Enquanto
o mundo todo não é transformado em um grande jardim, nós construímos alguns
jardins no mundo.
Essa vocação de cooperar com
Deus para colocar ordem no caos, vocação de todo ser humano, é que sintetizo no
propósito de construir. Construir é exercer poder para dominar a terra.
Construir é insurgir-se contra a Serpente e contra todos os agentes da morte
para promover a vida.
Construir é plantar jardins em
meio ao caos!
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