segunda-feira, 18 de março de 2013


REDENÇÃO

A tradição cristã interpreta o ato de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal não como o surgimento da consciência, mas como um ato de rebeldia, um grito de independência da criatura para com o Criador.

Ao comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, a criatura não pretende adquirir consciência do bem e do mal, mas sim tomar nas mãos a prerrogativa de determinar o bem e o mal e, nesse sentido, “ser igual a Deus”. O que está em questão é o questionamento a respeito de quem será o padrão para o funcionamento do Universo e das relações que nele se processam: Deus ou o homem? A resposta cristã é que a morte é a conseqüência natural do fato de a criatura viver como se Deus não existisse.

Ao afirmar que “o homem se tornou como um de nós”, Deus não estava concordando com a Serpente. A expressão “ser igual a Deus” não trata de atributos e potências, mas sim de status, isto é, não descreve o que o homem pretendia ser – poderoso tal qual a divindade, mas sim o que o homem havia se tornado, um padrão de existência autônomo e rebelde, em oposição à divindade.

A expulsão do paraíso não coloca o ser humano fora de um ambiente geográfico, mas sim de uma condição existencial. Expulso do paraíso, o homem não está longe de uma terra, mas sim alijado de um relacionamento, o relacionamento com Deus, o Criador. Porque pretende ocupar o lugar do Criador é que o ser humano fica impedido de ter acesso ao paraíso. Talvez você esteja se perguntando: “Que Criador melindroso é esse que não é capaz de conviver com adversários?

Mas a questão não é essa. Quando dizemos que o sujeito está com frio porque está longe da fogueira, isso não quer dizer que a fogueira é melindrosa e recusa-se a dar o seu calor.
Os paralelos ficam bem claros e fecham o quebra-cabeças do dilema da raça humana. O Reino de Deus equivale ao paraíso. A terra amaldiçoada equivale ao lado de fora do paraíso. Para que a terra amaldiçoada seja transformada em paraíso, a rebeldia da raça humana deve ser substituída pela rendição à autoridade e soberania amorosa do Criador: “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”.

A vocação de cada ser humano continua sendo cooperar com Deus para colocar ordem no caos. O resultado da reconciliação entre criatura e Criador é a unidade do Universo, em que céu e terra não estão mais em oposição, e o paraíso abraçou e redimiu toda a terra amaldiçoada, isto é, o Reino de Deus chegou em plenitude. Assim, existirá “o céu e tudo o mais”, em vez de “o céu e nada mais”. Por isso é que o homem deve lutar contra sua ambição de fuga para o paraíso. Deve acreditar que este lado do céu é digno de ser trabalhado: plantar jardins na terra maldiçoada. A dicotomia entre céu e terra deve acabar. 

Negar a terra como se houvesse apenas céu e nada mais é trair o propósito de Deus, que delegou a terra aos cuidados da raça humana.
O reino de Deus é o equivalente ao jardim, de onde o homem foi expulso. O jardim é o mundo sob o comando de Deus. Toda vez que um ambiente, uma relação, uma atividade é submetida a Deus, o caos começa a entrar em ordem, isto é, o jardim dá seus sinais. Haverá um dia em que o caos será transformado em jardim. Então, o Reino de Deus, que já foi inaugurado, estará consumado.

Enquanto o Reino de Deus não vem em plenitude, nós trabalhamos para que ele seja sinalizado ao nosso redor. Enquanto o mundo todo não é transformado em um grande jardim, nós construímos alguns jardins no mundo.

Essa vocação de cooperar com Deus para colocar ordem no caos, vocação de todo ser humano, é que sintetizo no propósito de construir. Construir é exercer poder para dominar a terra. Construir é insurgir-se contra a Serpente e contra todos os agentes da morte para promover a vida.
Construir é plantar jardins em meio ao caos!      

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