“Como também nos elegeu
nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis
diante dele em amor”
Efésios 1:4
Em sua epístola aos efésios, o apóstolo
Paulo tem o cuidado de dizer-nos que “em Cristo” Deus nos separou; nos
escolheu, da humanidade, para sermos
herdeiros de grandes bênçãos; e tudo isso no Senhor Jesus Cristo e por
intermédio d’Ele. A melhor prova a respeito da passagem que estamos examinando se
acha no capítulo 17 do Evangelho Segundo João, onde temos o que comumente se
conhece como a oração sacerdotal do nosso Senhor. Ali vemos Jesus fazer
declarações concernentes a Si mesmo, declarações como estas: “... lhe deste poder sobre toda a carne,
para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste” (versículo 2).
O ensino aí é que o Pai deu essas pessoas
ao Filho. Vejamos também o versículo 6: “Manifestei
o teu nome aos homens que do mundo me deste: eram teus, e tu mos deste, e
guardaram a tua palavra”. Essas pessoas – pessoas cristãs, que incluem
todos nós que cremos em Cristo -
pertenciam a Deus antes de pertencerem ao Filho. Primariamente, a nossa
posição não depende de nada do que fazemos; nem primariamente da ação do Filho.
A ação primária é a de Deus o Pai, que escolheu para Si um povo, de toda a
humanidade, antes da fundação do mundo, e depois o presenteou, deu esse povo
que Ele escolhera ao Filho, para que o Filho o redimisse e fizesse tudo quanto
era necessário para reconciliá-lo com Ele. Esse é o ensino dado pessoalmente
por Jesus Cristo.
Ele veio a este mundo e realizou a obra
que Lhe competia realizar em favor de todas as pessoas que Lhe foram dadas pelo
Pai. Assim, Ele prossegue e diz: “Eu
rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são
teus” (versículo 9). Mas é de vital importância que nos lembremos de que
tudo isso é feito “n’Ele”. O apóstolo repete continuamente a verdade segundo a
qual não há absolutamente nada que seja dado aos cristãos independentemente do
Senhor Jesus Cristo; não há nenhuma relação com Deus que seja verdadeira e
salvadora, exceto a que é no Filho de Deus e por meio d’Ele. “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus
e os homens, Jesus Cristo homem” (I Timóteo 2:5).
Tendo estabelecido estas verdades,
podemos passar agora ao restante desta grande declaração: “Como também nos
elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dele em amor”. Aqui vemos que cada frase, quase cada
palavra, requer a mais cuidadosa e séria consideração. Cada uma das declarações
está carregada de verdade, de verdade vital, de verdade da máxima importância.
Portanto, passar às pressas por estas grandes e momentosas declarações é
tolice; é real e verdadeiramente pecaminoso.
É nos dito que fomos escolhidos “para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. Aqui, de novo, o
apóstolo nos propicia uma das mais extraordinárias sinopses do evangelho todo.
Ele quer dizer que é o propósito de Deus em Cristo para o Seu povo desfazer,
remover e retificar completamente os efeitos do pecado e da queda do homem. O
objetivo de Deus na salvação é retificar completamente os resultados e as
conseqüências daquele evento terrível e sumamente desastroso. Isso está claro
nas Escrituras.
O apóstolo Paulo diz em Efésios 5:27, que
o propósito supremo de Cristo para a igreja é, não somente que ela seja santa,
mas também esteja “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante”. A igreja deve
ser irrepreensível (ou sem culpa), como também pura; ela deve ser perfeita por
fora e por dentro. Deus é absoluta luz e glória e perfeição; Ele é
absolutamente puro, sem sequer qualquer suspeita da presença de uma liga
redutora ou de qualquer mistura; o que é dito em Tiago 1:17 é que Ele é o “Pai
das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação”. E o assombroso que
nos é dito é que Deus nos escolheu em Cristo para nos tornarmos como Ele. Esse
é o propósito de Deus para nós; esse é o nosso destino, sermos semelhantes a
Deus, “santos e irrepreensíveis”.
Pois bem, devemos passar à segunda
expressão, “santos e irrepreensíveis diante
dele” . Noutras palavras, diante dele, no sentido em que Paulo usa a
expressão, significa que o objetivo e propósito da nossa vocação e eleição é
que andemos com Deus; não somente que entremos numa consciente comunhão com
Deus, mas que andemos e permaneçamos nessa comunhão, ou, como João o expressa,
que andemos na luz com Deus.
“Eu
sou o Deus Todo-poderoso, anda em minha presença e sê perfeito”. Foi um convite que Deus fez a Abraão. Naturalmente,
para fazer isso o homem tem que ser perfeito porque Deus é perfeito. “Andarão
dois juntos, se não estiverem de acordo?” (Amós 3.3). Andar diante de Deus e
ser perfeito estão inevitavelmente juntos por causa da natureza de Deus.
SANTOS E IRREPREENSÍVEIS EM
AMOR
“Para que fossemos santos e irrepreensíveis
diante dele em amor”
Não há dúvida de que a essência da
santidade é o amor. Na Epístola aos Romanos Paulo afirma que “o cumprimento da
lei é o amor” (13.10). Só concebemos fielmente a santidade quando o fazemos em
termos do amor. O amor é o oposto da inimizade, o oposto do ódio, o oposto da
contenda.
O apóstolo está dizendo que, como
resultado do fato de Deus ter nos escolhido, o que acontece é que o pecado é
removido, o obstáculo entre nós e Deus é removido, e assim podemos comparecer
perante Ele. E não somente isso, mas comparecemos à presença de Deus “em amor”.
Só pensar em comparecer à presença de Deus como nosso juiz é algo terrível! A
grandiosa realização feita a nosso favor, em nossa salvação, é que comparecemos
perante Deus “em amor”.
Esse é o maior resultado da anulação dos
efeitos da Queda. Como vimos, a condição do homem é por natureza exatamente o
oposto desta santidade e amor. É inimizade contra Deus; sua mente não se
sujeita à lei de Deus, e na verdade não pode sujeitar-se. O homem decaído tem
um grande impedimento quando se trata de aceitar o Deus das escrituras. Tem
facilidade em aceitar o deus da filosofia, um deus que eles idealizaram em suas
mentes. Tiram de Deus, como Ele é revelado nas Escrituras, tudo o que não lhes
agrada. Não acreditam na ira, não acreditam no juízo, não acreditam na justiça
ou no ensino sobre o derramamento do sangue de Cristo, e na morte na cruz.
A mente “carnal” é inimizade contra Deus
(Rm 8.7). Quando o homem caiu, começou a odiar a Deus e, como resultado da
Queda, o homem se opõe a Deus e está em inimizade contra Ele. Contudo, como
resultado da salvação em Cristo, o homem comparece perante Deus “em amor”. Gostamos
da vida cristã? Queremos ser mais parecidos com Cristo, cada dia? Se
respondermos sim, é porque o amamos.
Realmente, a lei de Deus nos chama para
amarmos. O nosso Senhor ensinou isto em certa ocasião, quando foi interrogado
por alguns homens que tentavam apanhá-Lo mediante perguntas. Perguntaram-Lhe:
“Qual é o primeiro de todos os mandamentos? Sua resposta foi que o primeiro de
todos os mandamentos é: “Amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu
entendimento, e de todas as tuas forças: este é o primeiro mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Não há
outro mandamento maior do que estes”. (Mc 12.28-31). Todo o objetivo da lei
de Deus é primeiro o amor, sua relação com Deus, e depois sua relação com o seu
semelhante. É tudo uma questão de amor.
Portanto, devemos ser “santos e
irrepreensíveis diante dele em amor”, amando a Deus, amando nossos semelhantes,
amando a lei de Deus, tendo prazer nela, e não meramente nos conformando
mecanicamente com um padrão moral. O ensino do apóstolo Paulo é que o fim e
objetivo supremo da nossa escolha por parte de Deus, da nossa eleição, é que
nos tornemos pessoas com aquele caráter. Naturalmente, não alcançaremos essa
perfeição nesta existência, neste mundo; essa é a nossa meta suprema.
A vontade de Deus quanto a nós é a
perfeição absoluta, e nós, cristãos, finalmente estaremos diante d’Ele “sem
defeitos e inculpáveis”, “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante”. Então,
não haverá quem possa lançar acusação contra nós. Seremos semelhantes ao nosso
Senhor. Mas não nos esqueçamos de que, embora só atinjamos perfeitamente o alvo
no mundo vindouro, o processo já começou neste mundo. O princípio está em nós,
aqui e agora; a semente já foi implantada em nós.
O autor da Epístola aos Hebreus expressa
esta verdade no capítulo 3 onde escreve: “Pelo
que, irmãos santos, participantes da vocação celestial...” (Versículo 1). O
cristão é participante da vocação celestial. Fomos santificados, o que
significa que somos santos, e mesmo aqui e agora este princípio de santidade
está em nós. Já somos “participantes da natureza divina”, e a natureza divina é
santa. Esta santidade essencial está em nós, e crescerá e se desenvolverá até
que finalmente estejamos em condições de perfeição absoluta, na presença de
Deus. Este, diz-nos o apóstolo,é o objetivo supremo da escolha que Deus fez de
nós.
Lembrem-se também de que nós estamos “em
Cristo”. O que nos faz cristãos é que estamos em Cristo; não somente porque
fomos perdoados, embora isso seja essencial. E se estamos “em Cristo”, só temos
que ser santos porque Ele é “santo, inocente, imaculado, separado dos
pecadores” (Hebreus 7.26). À luz disso tudo, há certas deduções essenciais que
são da máxima importância. Primária e essencialmente, salvação significa estar
na relação correta com Deus – nada menos que isso. Não se deve pensar na
salvação em termos da felicidade nem em termos das leis, nem da moralidade. Não
se deve pensar nela, unicamente em termos do perdão.
Salvação significa estar em uma correta
relação com Deus. É preciso que seja assim porque a essência do pecado é a separação
de Deus.